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Novela das nove não é coisa de senhorinhas

Hoje (07/10) se encerra a novela das nove da emissora Globo, Pantanal, e os meus amigos próximos sabem que não falei de outra coisa nos últimos meses.
Enquanto estudante de comunicação e marketing, a novela é um case de retomada da audiência do público jovem em tempos de ascensão de séries estrangeiras no streaming, de narrativa bem construída em parceria com marcas patrocinadoras (sendo a Unilever - empresa em que trabalho - uma das principais empresas presentes na novela) e do impacto atual das redes sociais no sucesso de formatos tradicionais da TV aberta.

Ainda, enquanto uma grande interessada no campo das artes e da cultura, é importante trazer pontos que elucidam o porquê Pantanal desperta tanto interesse na população brasileira, pontos em relação à produção da obra que a faz ter uma percepção de tanto valor, além do brilhante trabalho de todo o elenco e equipe retomando o destaque que uma novela das 9 tradicionalmente sempre recebeu enquanto produção midiática no nosso país.

Irei trazer aqui alguns tópicos interessantes que explicam meu fascínio por uma das novelas mais presentes no imaginário brasileiro que conta uma saga familiar tendo como cenário um dos mais ricos ecossistemas do mundo:
O remake foi adaptado pelo neto do autor da versão original, Bruno Luperi, o que confere um contexto familiar de contato muito próximo com a obra que com certeza impactou o resultado final nas telas. Em live feita junto com Joyce Pascowitch da Glamurama, Luperi fala das trocas que teve com seu avô, que foram desde discussões em relação à escolha de atores à adaptação de temáticas que hoje se mostram ainda mais urgentes e atuais, como a sustentabilidade no agronegócio, preservação da biodiversidade, homofobia, feminismo e construção familiar.

A novela teve mais de 11 empresas anunciantes incluídas em sua trama de forma integrada à construção das narrativas. É interessante falar que Bruno Luperi é publicitário de formação (assim como eu!) e era preciso um cuidado e atenção grandes para incluir marcas como Casas Bahia, The Coca-Cola Company, Itaipava, Vivo (Telefônica Brasil), Dove, Omo, Cif, Rexona e Comfort (as últimas 5 da multinacional Unilever) em uma obra que já tinha um roteiro fechado e escrito em 1990 quando a publicidade ainda não ocupava papéis tão múltiplos na comunicação - muito menos com a estratégia de Product Placement sendo tão explorada.
Ainda falando sobre o ramo da publicidade, Pantanal foi o maior investimento em divulgação de novelas da história da TV Globo, contando com a própria grade de programas da emissora, mídias online e offline. O remake já estreou com a proposta de cativar o mercado publicitário e fazer com que o horário nobre da Globo fosse ainda mais valorizado.

Para publicitários, segmentação e público-alvo são fatores primordiais para a execução de seu trabalho e é muito interessante ver a forma como a novela foi idealizada para atingir um público o mais amplo possível incluindo os jovens como espectadores de folhetim - algo que não se apresentava mais com tanta expressividade há 10 anos com a produção de “Avenida Brasil” (2012). “Hoje, de cada 3 casas brasileiras, 1 já tem 3 ou mais gerações vivendo juntas. É uma estratégia de sobrevivência, queremos apresentar histórias com potencial de engajamento geracional, que mobilizem toda a casa. E pantanal e muito bem equipada para isso” - afirma Amauri Soares, diretor da TV Globo e suas afiliadas.

Em um país tão populoso como o Brasil e com tamanha desigualdade, a TV aberta representa para aproximadamente 80 milhões de pessoas a única forma de entretenimento em vídeo (segundo pesquisa da Kantar Ibope Media de 2022) e 205.876.165 pessoas assistiram TV Aberta ou paga no país em 2021. Logo, engana-se o comunicador que acredita que esse formato de consumo de conteúdo está em declínio iminente e que apenas meios digitais são relevantes nos tempos atuais.
Novelas sempre foram um formato de produção midiática com papel educativo importante na sociedade brasileira e com Pantanal não poderia ser diferente. Entende-se que o folhetim obteve tanto sucesso, pois seu roteiro se mostrou atemporal e com pautas de grande identificação.

Ainda falando sobre identificação, não é possível citar a novela sem adentrar no tópico de ser essencialmente um remake e algumas das implicações que isso traz. Se por um lado existe uma grande pressão decorrente da expectativa por parte dos espectadores da versão original, por outro, grande parte do público jovem - assim como eu - nunca sequer tinha ouvido falar nesse nome. Todavia, se sobressai o saudosismo brasileiro e a identificação com paisagens e histórias que são intrinsecamente nacionais. Pantanal é uma novela que não poderia ser simplesmente replicada em nenhum outro país e isso inclusive despertou o interesse da Paramount Pictures que comprou o direito de reproduzir a novela em toda a América Latina por aproximadamente R$54,2 milhões. Bola dentro para a Globo!

Falando agora sobre o cuidado da equipe para que a produção fosse o mais verossímil possível, busquei conhecer o trabalho dos diretores, produtores e figurinistas. Destaco aqui a figurinista Marie Salles que em seu instagram pessoal passou a contar a história do desenvolvimento da caracterização de cada um dos personagens da novela. É incrível ver os detalhes recheados de signo e significados que ressoam em cada um deles. Se hoje fala-se tanto sobre identidade visual forte e paleta de cores das marcas, vale citar que muitos figurinos foram pensados para transmitir as cores da paisagem pantaneira e que algumas peças de roupa são de pessoas reais do Mato grosso do Sul que as cederam em troca de novas peças oferecidas pela equipe.

Poderia ainda falar sobre diversos pontos, mas acredito que um dos grandes motivos para tamanha repercussão da novela foi também o fato dos atores, em sua grande maioria, terem usado suas redes sociais pessoais para registrar muitos momentos de entrosamento e descontração durante as gravações. Uma parte da produção foi realizada em fazendas no pantanal e as demais, realizadas nos estúdios Globo que reproduziam com perfeição cenários internos. Se acima falei sobre a opinião errônea acerca do declínio da tv aberta, não podemos ignorar o impacto que redes sociais como o Instagram e o Twitter tiveram para que a novela ganhasse tamanha proporção sobretudo com o público jovem. A equipe entoava união e sinergia como (nas palavras deles), poucas vezes se viu em produções de novela.

Por fim, uma análise interessante de ser feita foi o quanto a novela lançou atores estreantes na emissora e trouxe outros pela primeira vez com papéis de destaque no horário nobre como Bella Campos (Muda), Guito (Tibério), Isabel Teixeira (a incrível Maria Bruaca) e o casal de maior destaque Jesuíta Barbosa (Juventino) e Alanis Guillem (Juma Marruá).

Recentemente, foi possível perceber uma movimentação muito expressiva de atores consagrados da emissora encerrando seus contratos para que pudessem ter mais liberdade de participar de produções originais de plataformas streaming como Netflix, HBO Max e Amazon Prime. Com o sucesso da novela e dos atores participantes da trama a nível nacional, a Globo tem a chance de retomar seu poder de barganha perante aos artistas dentro do cenário da mídia e entretenimento no Brasil.

Decidi escrever sobre Pantanal por aqui, pois sempre busquei estudar a fundo aquilo que me desperta interesse pessoal e hoje, a partir dos conhecimentos adquiridos na faculdade, consigo fazer reflexões interessantes e analisar algo que, a primeira instância pode parecer coisa de senhorinhas, como um negócio e um produto midiático que valem - e muito! - a atenção de publicitários, profissionais de marketing e telespectadores de forma geral.

Não me surpreenderá se a Globo anunciar a produção de outros remakes, devido a validação do formato, mas confesso que “Pantanal” se tornou de longe uma das minhas produções favoritas de todos os tempos. A trama é envolvente, foi unanimidade na crítica, dá espaço para discussões interessantíssimas e fez uma jovem de 20 anos que não assistia TV aberta há anos ficar ansiosa pelo último capítulo que será exibido hoje! Que grande acerto Globo!!
Novela das nove não é coisa de senhorinhas
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